02 abril, 2009

A menina

A menina acorda ouvindo risadas. Risadas gostosas, baixinhas. Ao abrir os olhos, não vê ninguém. O quarto está vazio, do mesmo jeito de quando ela se deitou na noite passada. O celular ao lado dela está desligado. A janela está fechada. Não há ninguém por ali. Nunca houve.

Ela sai da cama e vai para o chuveiro. Uma onda de desespero passa por ela. O coração aperta e a angustia rasga sua pele. Mas ela não tem idéia do que está acontecendo. Do que vai acontecer. Nem se algo aconteceu. Ela só sente a dor da navalha destruindo seu corpo. Recorda tudo o que aconteceu no dia anterior. Nada de anormal, nada fora da rotina. Tudo está na mais perfeita ordem.

Durante o dia ela esquece a sensação. Concentra no trabalho suas forças e esquece que é humana por algumas horas. Quando o expediente termina, acende um cigarro e a sensação volta. Suas pernas parecem não agüentar o peso que se instalou em suas costas. Ali instalado sem permissão ou aviso prévio. Volta para casa com a impressão de que vai começar a sangrar no meio da rua, por todos os seus poros. Que sua vida vai se esvair sem nem ao menos ter conhecimento do motivo.

A menina dorme. O sono é agitado. Sonhos estranhos, conversas bizarras, situações já vividas com toques de tortura. Acorda angustiada. Com dores. Os olhos teimam em se encher de lágrimas. Mas a menina ainda não sabe o motivo de seu desespero. Ela só o sente pulsar em suas veias e não tem forças para tirá-lo dali. O dia começa como qualquer outro. Mas a menina não consegue ser a mesma. Ela só consegue ser o espectro de sua dor. Uma dor invisível. Desconhecida. A dor de uma angustia que teima em não passar e não se revelar.

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