22 maio, 2011

É só manter a calma e deixar a verdade entrar

Bastou uma saída despretensiosa. Uma ida a um lugar desconhecido. E a verdade mais pura e mais clara foi jogada na cara. Como se uma cortina tivesse sido retirada da frente e finalmente o vento pudesse soprar com liberdade. O coração pudesse bater em seu próprio ritmo. O alívio, finalmente.

Era só para ser mais uma noite. Um bar novo, pessoas que geralmente não fazem parte do dia-a-dia. Drinks, uma boa conversa, alguns cigarros. A roupa tinha um quê diferente, o cabelo era revoltadinho demais. Mas no escuro todos os gatos são pardos.

E é durante uma conversa que a cortina começa a ser aberta. Lentamente. Até o ato final, em que ela é arrancada da frente e o vento sopra forte. Uma interrupção boba, engraçada. A tentativa de não perder o fio da conversa não adianta muito. Já estão lá, falando pelos cotovelos. Falando bobagens. A risada acontece naturalmente. Por que não? Pra que se fechar, ser anti-social? Ser mal humorada? Por que não interagir? Deixe a conversa rolar.

Até que o inevitável acontece. Mas acontece com a pessoa do lado. Não uma vez, mas duas. Duas pessoas querem a pessoa do lado. Insistem, pedem, olham. Dizem bobagens e é impossível não rir. Mas acontece com a pessoa do lado. Um abraço, um olhar, uma súplica. O pedido pelo telefone. Uma gracinha, pra tentar conquistar mais rápido.

Mas a pessoa do lado é comprometida. Seria esse o charme dela? Afinal, as atitudes foram as mesmas. Seria ela mais bonita? Mais simpática? Mais receptiva? Talvez, mais normal? Afinal, o cabelo é comprido, a maquiagem bem feita, a roupa elegante. O que a pessoa do lado tem? É só o que ela tem a mais que faz com que eles a queiram?

E é aí que a cortina finalmente cai e dá espaço pra sabedoria. A causa não é a beleza a mais, a normalidade, a empatia, o sorriso, a voz. Nada disso importa. A verdade é que a pessoa do lado nasceu pra ter alguém do lado dela. Nasceu pra ser amada, pra ter um companheiro. Não nasceu pra ser solteirona. Nada pode mudar isso. A pessoa do lado nasceu pra ter alguém. Você descobre que você não. Nasceu pra ser tia, madrinha, amiga. Nasceu pra apoiar, pra incentivar. Mas não nasceu pra amar e ser amada por um companheiro. Isso é para a pessoa do lado. As pessoas da família. As outras pessoas.

Você descobre que nasceu pra ser solteira. Pra viver sozinha. Pra viajar sozinha. Pra comer sozinha. Pra dormir sozinha. Pra talvez adotar um gato. Mais pra frente um cachorro. Pra dedicar sua vida a estudar. A ler os milhões de livros que existem no mundo.

E tudo para de doer. Tudo perde o sentido e volta a fazer sentido. Não há mais a necessidade de ser simpática quando não quer. De pensar numa roupa pra ir num barzinho (vai que, né?). De olhar para as pessoas. De fazer contato visual. Acabou. A liberdade finalmente chega. E não dói saber. Alivia saber. Porque agora não há mais necessidade de tentar, porque a tentativa nunca vai levar a lugar algum. Você se aceita.

23 abril, 2011

Porque é no silêncio da alma que descansa o conforto

Ele sumiu durante tempos, resolveu fingir que ali nunca houve nada. Caiu em profundo silêncio, como se palavras nunca houvessem sido trocadas. Simplesmente saiu de cena, da mesma maneira que entrou. Não pediu licença, não pediu por favor. Foi entrando e depois saiu.

A alma se sentiu traída. O coração não sabia o que dizer, já que ele nunca soube o que sentia. Mas a alma ressentiu. A alma sabia que tudo o que ele falava era mentira. Sabia que devia acreditar em si mesma, mas cedeu. Pensou que pudesse estar errada. Talvez essa coisa de sempre dar ouvidos a si mesma possa ter prejudicado tantas outras coisas na vida.

O coração palpitava sem entender. Talvez fosse por toda ausência de carinho que ele tenha se deixado seduzir. Talvez pela vontade de se apaixonar de novo, por se sentir trêmulo e rápido novamente. Talvez porque quisesse, muito, ver o corpo ofegante, o peito arfando, a voz gaguejante, os olhos embaçados. Mas ele não queria se entregar, não assim, tão fácil. Porque sempre existe a chance de não dar certo.

E então, alma e coração chegaram a um acordo. Se acalmaram e descansaram. Descobriram que ali não havia nada, apenas uma confusão de sentimentos, tantas vezes ocorrida. Ambos sorriram e se deixaram ficar leves. Aquilo tudo se esvaiu. Eles respiravam sossegados novamente.

A normalidade dos dias foi abatida por um aceno dele. Uma bobagem, que na hora gerou um ataque de riso. Mas o outro dia chegou. E o seguinte. Coração e alma pensaram em entrar em conflito. Ficaram quietos. Mas voltam a pensar. Porque ele percebeu o silêncio em que coração e alma entraram. Percebeu que dali não sairia mais nada. Foi só para cutucar o coração que estava tranqüilo. Só por não ter nada melhor pra fazer. Sabia ser mesquinho, mas o fez mesmo assim. Sabia querer outra pessoa, mas queria garantir que existia ali outro alguém, caso não desse certo.

Já é tarde agora. Coração e alma decidiram lutar juntos contra a confusão de sentimentos. Devagar, voltam a sentir a calmaria voltando. É melhor deixar ir, do que se encarcerar numa prisão sem grades, mas que pune e machuca. Deixaram ir. Voltaram a sentir conforto no silêncio. No vazio.